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domingo, 9 de maio de 2010

Um amor na Avenida Ibirapuera

Crônica de um amor da Avenida Ibirapuera

O sol queimava a sua pele àquelas horas da manhã. Aborreceu-se com aquilo.

Cansada de lutar em vão por algo que nunca seria perfeito.

As coisas na vida não são perfeitas e nunca serão. O sol já é algo que poderia se esperar a imperfeição absoluta, como proferem os cientistas, arautos das ameaças da devastação que o ser humano causou no Planeta Terra.Postulam que o sol vai esfriar daqui há uns milhões de anos e a vida no Planeta será extinta.

Lembrou-se de todas as coisas que vinham lhe aborrecendo.

Nada havia que pudesse lhe confortar a alma, a sua vida era a de um deserto absoluto.

Entendeu que era um ciclo se fechando e o inferno astral a tragaria absolutamente e inexoravelmente.

No entanto, havia algo. Uma possibilidade, talvez.

Afastou os cabelos que teimavam em cair na sua face, e vivificou a única esperança que a mantinha:

O amor improvável que teimava em nascer, ainda que o veneno da sua alma teimasse em sufocá-lo.

Repentinamente, sentiu-se bem.

O ônibus avançava, barulhentamente, arrancando guinchos estertorantes de seus mecanismos sem graxa.

Um pensamento absurdo se misturou as sensações e sentimentos que a assaltavam, de súbito: o mecânico devia, tinha obrigação de engraxar os parafusos do ônibus.

Como se disso dependesse a sua vida. Como se somente essa medida fosse consertar o estrago que era a sua vida.

Mas, súbito, uma decisão a tomara por inteiro.

Não adiantava mais. Não poderia remar contra a maré.

Tinha que pensar na única pessoa a quem poderia salvar: ela mesma.

Aquele fiapo de esperança a encheu e sentiu-se vivificada, elétrica, como se tivesse sido ligada a uma tomada de voltagem máxima.

Seria hoje.

Desceu no próximo ponto e voltou apressada para casa.

Arrumou as pressas os poucos pertences que possuía numa valise que usava para vender produtos de beleza, de forma afoita e descuidada.

Sentindo-se livre e leve, saiu porta afora, louca de entusiasmo pois nunca tinha tido essa sensação.

Parecera a ela que tinha tomado uma injeção de dopamina.

Levou seis horas exatas para chegar ao seu destino: dormira um pouco na viagem, como uma criança, causando pena e desconforto, com seus cabelos finos espalhados pelo encosto da poltrona, e a sua boca entreaberta.

Mas chegara, viva e inteira.

Faltavam poucos minutos para encontrar aquele que seria a razão de sua existência. Aquele a quem dedicara, secretamente, todos os seus sonhos de menina.

Sonhos patéticos, pessoa patética, triste figura, um dom Quixote de saias.

Uma náusea na boca do estômago a encheu de um súbito medo: aquela estação era imensa e pessoas iam e vinham com uma pressa louca, parecendo formigas, ou o coelho da história de Alice.

Ninguém a conhecia ali e ela não conhecia ninguém. Era como estar em outro planeta, território estranho. E aquilo fez com que uma dor de cabeça fina se instalasse nas suas têmporas.

Tropegamente, com uns passos incertos, alcançou uma lanchonete onde tinham em suas vitrines comidas apetitosas e ela realmente estava com fome.

Mas o dinheiro que tinha na carteira era apenas para empreender a triste viagem de volta acaso não encontrasse o que procurava.

Se ela gastasse aquele dinheiro iria ficar perdida em São Paulo, aquela cidade monstro.

Mas não iria voltar. Não podia, aquela altura do campeonato.

Não poderia nunca fazer aquilo com ela mesma.

Então, levantou-se, já um pouco triste, um pouco desanimada e com a euforia diminuída.

A fome lhe corroia as entranhas.

Foi com um pouco de dificuldade que saiu na Avenida Paulista.

O barulho ensurdecedor dos veículos fez com que ela titubeasse mais um pouco.

Teria que caminhar a pé, para chegar a Av. Ibirapuera. Como era mesmo o nome do Edifício?

Coplan.

Iria chegar lá. De surpresa, mas deixaria que a surpresa e a impossibilidade da sua presença ali o colhessem de surpresa e o motivasse.

Chegou a tal avenida. Novo ânimo a compelia.

Avistou o edifício. Alto, imponente, parecendo um gigante.

Recentemente, ficara sabendo que a Terra havia sido morada de gigantes.

E aquele pensamento desconexo lhe impulsiona mais uma vez.

Um sacrifício, atravessar a pé, qualquer avenida de São Paulo.

Pareceram horas a ficar ali, aguardando uma trégua dos veículos para chegar ao prédio.

Ganhou o outro lado da calçada.

Respirou profundamente, já se sentindo acolhida.

Súbito, uma carreta, vinda de não sei de onde, a alta velocidade, rasga o asfalto de forma inclemente.

E o corpo frágil é colhido por uma das partes frontais do veiculo sendo lançado longe como o de uma boneca de trapo.

Seu corpo descreve uma curva no ar, como um ballet macabro.

E a sua cabeça bate no asfalto quente e empoeirado, arranhando a face, cuidadosamente maquiada.

O sangue vermelho que começa a jorrar se confunde com o batom da sua boca em formato de coração.

Inclementes as buzinas do carro, abrindo passagem em meio ao trânsito engarrafado.

Inclemente a luz do sol, iluminando os cabelos finos e escorridos sobre o tecido bege claro de seu casaco.

Um amor que nem nascera termina ali, na Avenida Ibirapuera, que significa árvore que já se foi.

Assim como os índios, criadores da palavra: se foram.

Traços culturais.

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